Sobre o sucessor de Lula: uma reflexão de Platão

A discussão sobre a formação de novos quadros surge vez ou outra na esfera política diante da necessidade de renovação. Na esquerda brasileira, tornou-se comum a reclamação de que o PT não formou um sucessor ao Lula, um quadro político que pudesse substituí-lo à altura. 

Este tema, contudo, não é novo na civilização ocidental. Há mais de dois mil anos Platão se ocupou desta questão em sua obra "Mênon". A questão não é se o PT criou ou deixou de criar um sucessor; a questão é se isso é mesmo possível.

Em uma discussão sobre a virtude e a possibilidade de se transmití-la, Sócrates examina, primeiro, se a virtude é uma ciência. Se for uma ciência, então deve ser possível ensiná-la. Um bom político, por exemplo, poderia ensinar outro a ser um bom político. Ele se utiliza então do exemplo de Temístocles e de alguns outros políticos atenienses para esclarecer a questão.

Sócrates observa que Temístocles, mesmo sendo um político virtuoso, foi incapaz de transmitir a outros sua virtude. Ele não conseguiu ensiná-la nem mesmo a seus filhos, embora os tivesse treinado em diversas outras artes, como cavalgar. E por que ele ensinou tantas coisas a seus filhos, mas não a ser um político virtuoso? Não seria por que a virtude não é possível de ser ensinada? O mesmo aconteceu com diversos outros políticos gregos, que ensinaram seus filhos música, luta e tudo que podiam, menos a virtude política.

- Sócrates: Certamente houve muitos bons homens; mas a questão é saber se foram também bons mestres de sua própria virtude; não se existiram homens bons, mas se a virtude pode ser ensinada. a questão é se esses homens sabiam como transmitir a virtude que tinham em si mesmos, ou seria a virtude algo incapaz de ser comunicada e transmitida de um homem a outro? Temístocles foi um homem bom?
- Ânito: Certamente, não houve melhor.
- Sócrates: E ele não deve ter sido também um grande mestre de sua virtude?
- Ânito: Certamente, se ele quisesse.
- Sócrates: Ele não teria querido que outros se tornassem bons, ou pelo menos seu próprio filho? Não ouviste que ele ensinou seu filho Cleofanto a ser um bom cavaleiro?
- Ânito: Ouvi sim.
- Sócrates: Então ninguém diria que era ruim a natureza de seu filho.
- Ânito: Certamente não.
- Sócrates: E você já ouviu alguém dizer que Cleofanto tenha se tornado bom e sábio como seu pai?
- Ânito: Não.
- Sócrates: Mas quis Temístocles ensinar todas as outras coisas a seu filho, mas não a virtude, aquilo no qual foi mestre?
- Ânito: Provalmente não!
- Sócrates: Aristides também não é outro exemplo de ateniense que educou seu filho Lisímaco mais perfeitamente que todos naquilo que dependia de mestres? Mas fez dele um homem melhor que qualquer outro? E Péricles, que foi pai de Páralo e Xantipo?
- Ânito: Sei.
- Sócrates: E ele os ensinou a ser cavaleiros melhores do que qualquer outro em Atenas, na música, na luta e em tudo mais. Mas bons homens, não os quis fazer? Acho que sim, mas isso não é coisa que se ensina. Pense também em Tucídides, pai de Melésias e Estéfano. E se virtude fosse algo que se ensina, e sem gastar dinheiro, não o teria feito?
- Ânito: Sócrates, parece que levianamente falas mal dos outros. Eu recomendaria que fosses mais cauteloso. Não há cidade em que não seja mais fácil fazer mal do que bem aos outros, e este também é o caso de Atenas.
- Sócrates: Veja, mênon, parece que Ânito está irritado, pois crê que estou denegrindo estes homens, e julga que é um deles. Mas me diga, não há também em vossa terra homens de bem?
- Mênon: Perfeitamente.
- Sócrates: E eles se dispõe a ensinar aos jovens? E se professam professores e que a virtude é algo que se ensina?
- Mênon: Às vezes dizem que se ensina, às vezes, que não.
- Sócrates: Devemos dizer que são mestres nessa matéria, esses que nem sequer concordam neste ponto?
- Mênon: Acho que não, Sócrates.
- Sócrates: Mas e esses sofistas, os únicos a se considerarem capazes de ensinar a virtude?
- Mênon: Górgias nunca promete isso, Sócrates. Ele apenas ri quando ouve outros afirmando tal coisa. Ele acha que os homens devem ser ensinados a falar.
- Sócrates: Então você não acha que os sofistas são professores?
- Mênon: Não sei dizer, Sócrates. Às vezes acho que sim, às vezes acho que não.
- Sócrates: Se nem os sofistas e nem os homens de bem podem ser mestres nessa matéria, não é claro que não pode haver outros?
- Mênon: É claro.
- Sócrates: E se não há mestres, também não há discípulos?
- Mênon: De acordo.
- Sócrates: E se não há mestres e nem pupilos, então a virtude não pode ser ensinada?
- mênon: Não pode ser ensinada, se estamos certos em nossa visão. Mas não posso acreditar, Sócrates, que não há homens bons. E se eles existem, como eles se tornam assim?

(Platão, "Mênon")

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