Freud e a religião - a neurose obsessiva universal da humanidade

Em O futuro de uma ilusão, Freud se propõe a explicar a origem da religião através de uma aplicação histórico-social de suas descobertas psicanalíticas. Como um ilustre representante tardio do esclarecimento ele aponta, também, o que lhe afigurava como o seu provável destino, e daí a presença do termo "futuro" no título da obra.

Seria importante ressaltar, em primeiro lugar, que a origem "psicológica" da religião não diz nada sobre a existência (ou não existência) de Deus. Não é muito incomum encontrar pessoas fazendo referência a esta obra de Freud para "provar" ou "demonstrar" que Deus não existe, o que é um grosseiro erro de lógica.

Philip L. Quinn, em um artigo contido no livro Philosophy of religion (William Lane Craig), critica Alvin Plantinga por sua injusta e depreciativa avaliação da teoria de Freud sobre a origem da religião. Quinn afirma que a teoria exposta por Freud pode ser o mecanismo do qual Deus nos dotou para que pudéssemos reconhecer a Sua existência e buscar com Ele um relacionamento, e deixa o campo aberto para que futuras pesquisas sejam realizadas em cima dessa hipótese.

No geral, podemos ver essa teoria de Freud, se verdadeira, da seguinte perspectiva: se Deus não existe, então a teoria de Freud é uma explicação muito plausível de como se originou a crença religiosa e a ideia de Deus. Por outro lado, se Deus existe, esta teoria pode esclarecer o mecanismo do qual Ele nos dotou para pudéssemos reconhecer a sua existência e sentir a necessidade de estabelecer com Ele um relacionamento. (Apesar de que acho que teríamos aqui um problema com os calvinistas, mas eu mesmo não sou calvinista.)

Dito isso, vamos resumir alguns pontos importantes dessa magnífica obra de Freud, cuja leitura eu recomendo.

A origem da religião

Para Freud, a religião surgiu de uma necessidade de defesa contra as forças da natureza, como todas as outras realizações da civilização. No indivíduo, ela surge do desamparo. Esse desamparo é inicialmente o desamparo da criança, e posteriormente, o desamparo do adulto que a continua.

Vejamos a vida mental da criança: quando bebê, o indivíduo passa pela fase de escolha do objeto do tipo anaclítico. A sua libido é direcionada pelas necessidades narcísicas a objetos que asseguram a satisfação de suas necessidades. A mãe, que satisfaz a fome da criança, torna-se seu primeiro objeto amoroso e também sua primeira proteção contra os perigos do mundo externo - a primeira proteção contra a ansiedade.

Na função de proteção, a mãe é substituída posteriormente pelo pai mais forte, que retém essa posição pelo resto da infância. Mas a relação com o pai é uma relação ambivalente: o próprio pai é também um perigo para a criança, talvez por causa de sua relação com a mãe. Assim, a criança teme e admira o pai.

Quando o indivíduo cresce e descobre que está destinado a permanecer uma criança para sempre, que nunca poderá passar sem proteção contra os poderes superiores (da morte, da natureza, etc), empresta a esses poderes as características pertencentes à figura do pai; cria para si próprio os deuses a quem teme e, não obstante, confia sua própria proteção.

Sendo assim, Freud afirma que "é a defesa contra o desamparo infantil que empresta suas feições características à reação do adulto ao desamparo que ele tem de reconhecer - reação que é, exatamente, a formação da religião."

Mais tarde ele diz: "Assim, a religião seria a neurose obsessiva das crianças, ela surgiu do complexo de Édipo, do relacionamento com o pai."

Freud afirma, porém, que as religiões estão cheias das mais gritantes contradições e discordâncias com a realidade que conhecemos. Então, ele se pergunta: Sendo as religiões contraditórias, de onde vem a sua força? Onde reside a força interior das doutrinas religiosas, independente, como são, do reconhecimento da razão?

A isso ele responde dizendo que as ideias religiosas são ilusões, realizações dos mais antigos, fortes e prementes desejos da humanidade. O segredo de sua força reside na força desses desejos.

Uma ilusão, porém, é diferente de um erro. As ilusões não precisam ser necessariamente falsas, ou seja, irrealizáveis ou em contradição com a realidade. Ele cita como exemplo uma mulher que tem a ilusão de que um príncipe encantado virá buscá-la, casar-se com ela e lhe dar filhos. Isso em si não está em contradição com a realidade, e nem é irrealizável, pois essas coisas já aconteceram algumas vezes. Então, ele afirma que o que é característico das ilusões é o fato de derivarem de desejos humanos.

As ideias religiosas são ilusões porque, segundo Freud, seria realmente muito bom se existisse um Deus benevolente, que cuida de nós e que nos dá uma vida após a morte. Um Deus que fará justiça a todas as injustiças que há neste mundo, e que nos recompensará por todas as privações a que somos submetidos por causa da civilização. Na verdade, nós queremos acreditar que isso seja verdade. Essas crenças são ilusões pois derivam de desejos humanos, do nosso desejo de que as coisas realmente sejam assim.

Mas assim como uma criança não pode completar com sucesso o seu desenvolvimento para o estágio civilizado sem passar por uma neurose, a humanidade, de forma análoga, tombou em seu desenvolvimento através das eras.

Isso é, a neurose infantil é uma parte do desenvolvimento de qualquer indivíduo, assim como a neurose da humanidade. E assim como o indivíduo supera sua neurose infantil, a civilização irá superar a sua neurose, e "o afastamento da religião está fadado a ocorrer com a fatal inevitabilidade de um processo de crescimento."


Considerações finais

É interessante notar que a psicanálise e, mais especificamente, o Complexo de Édipo, que têm sido utilizados durante décadas como ferramentas para explicar a crença religiosa, podem ser utilizados também para explicar o ateísmo.

Freud afirma: "O crente está ligado aos ensinamentos da religião por certos vínculos afetivos. Contudo, indubitavelmente existem inumeráveis outras pessoas que não são crentes, no mesmo sentido." Isso é, a causa tanto da crença quanto da descrença são primariamente emocionais, e só secundariamente racionais.

Veja o artigo The psychology of atheism, de Paul C. Vitz, no qual ele utiliza o conceito do Complexo de Édipo para explicar o ateísmo. (http://www.leaderu.com/truth/1truth12.html)

Freud quis deixar claro que não é psicanálise que chega a essas conclusões, mas que ela é apenas uma ferramenta utilizada que proporcionou a um pensador chegar a essas conclusões. Em suas palavras: "Se a aplicação do método psicanalítico torna possível encontrar um novo argumento contra as verdades da religião, tant pis para a religião, mas os defensores desta, com o mesmo direito, poderão fazer uso da psicanálise para dar valor integral à significação emocional das doutrinas religiosas."

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  1. Estou começando a me interessar por pscinálise apóes ler seus textos! Muito bom esse. Parabéns!

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  2. eu faço o curso de Ciencias das Religiões e achei muito interessante seus textos. Parabens!

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  3. Ei, vc já leu aquele comentário de Urbano Zilles sobre esse assunto em "filosofia da Religião"? muito bom tb! Parabéns por seu texto...

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  4. Anônimo3:15 PM

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  5. Anônimo3:16 PM

    Sou graduanda em Artes Visuais e nesse período, me encantei por filosofia, muito além da estética ou filosofia da arte.

    Interessantíssimo esse post sobre psicanálise e religião, assunto que venho pesquisando timidamente. rs

    Parabéns pela qualidade do trabalho.

    Abraços!

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  6. Realmente adorei esse seu post..
    É muito bom..

    Freud era O Cara..

    xDD

    Congratulations..

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  7. Contudo, o que me parece é que o conjunto de profissionais que pode ser chamado de "comunidade de psicanalistas" não utilizam a psicanálise para desenvolver novas ideias. Simplesmente se prendem às ideias e conceitos do pensador Freud. Se o pensador Freud se baseia na não existência divina, logo quem lhe segue (a comunidade) fará o mesmo, dando a impressão de a psicanálise ser ateísta.

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  9. Eu prefiro ficar do lado de Deus... mesmo que eu não tenha tudo que peço...cada vez que leio alguns capítulos da Bíblia Fico maravilhado com seus detalhes.

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