Freud e os chistes


Em sua obra The joke and its relation to the unconscious ("Os chistes e a sua relação com o inconsciente", tradução inglesa do original alemão realizada pela editora Penguin), Freud analisa os chistes (piadas, gracejos), buscando responder questões tais como: o que faz com que uma determinada brincadeira ou piada nos leve ao riso? No que reside a sua graça? Seria na técnica utilizada para formar a piada? Ou no pensamento transmitido por ela?

Freud aponta que tanto a técnica utilizada para a formação de um chiste quanto o pensamento expresso por ele geram satisfação e nos fazem rir. Contudo, rimos ainda com mais intensidade quando há um pensamento sendo expresso pelo chiste (isso é, quando a piada cumpre um propósito ou uma "tendência").

Para Freud, há dois tipos de piadas: inócuas e tendenciosas. As piadas inócuas são aquelas que nos proporcionam prazer apenas por causa das técnicas utilizadas para formá-la, como os jogos de palavras, representação pelo oposto, condensação, etc. Essas técnicas consistem basicamente nos mesmos processos utilizados pelo censor para gerar o conteúdo manifesto dos sonhos.

Já as piadas tendenciosas são aquelas que apresentam uma "tendência". Isso é, elas tendem a cumprir alguma finalidade. E o seu fim último é o mesmo que o dos sonhos: a satisfação de desejos inconscientes.

Elas são, segundo Freud, uma forma de nos libertarmos de nossas inibições para expressar instintos agressivos, sexuais, cinismo, etc. São usadas para que possamos expressar aquilo que, de outra forma, não ganharia expressão a nível consciente.

Podemos perceber como as piadas e "brincadeirinhas" nos livram de nossas inibições ao perceber como rimos, por exemplo, de piadas cujo conteúdo é sexual. Se uma pessoa nos expressa o conteúdo de uma piada sexual sem se valer das técnicas que tornam esse conteúdo uma piada, provavelmente não rimos. Pelo contrário, podemos até sentir a famosa "vergonha alheia". E achamos a piada tanto melhor quanto mais bem feita for sua elaboração, quanto mais velada for a expressão do seu conteúdo.

Há um exemplo muito interessante que Freud cita em seu livro que ilustra como o chiste livra o seu criador de inibições. É uma piada sobre uma pessoa de classe subalterna que se dirige a um superior e expressa o que não poderia nunca expressar diretamente. Através da piada ele se livra das inibições tanto de atacar a pessoa superior a quem se dirige quanto de expressar conteúdo sexual sobre a mãe deste.

Essa história é a de um rei que passeava por seus domínios, quando encontrou um aldeão que era extremamente parecido consigo mesmo. Ele ficou impressionado com a semelhança física entre eles, e lhe perguntou: "A sua mãe já esteve na corte?". O aldeão, então, lhe respondeu: "Não, senhor, mas meu pai sim.".

A pergunta que o rei dirige ao aldeão é extremamente ofensiva, mas este lhe dá o troco na mesma moeda.

Podemos perceber que a fonte de prazer dessa piada não é somente o conteúdo expresso por ela, mas também a técnica utilizada para sua formação. Podemos comprovar isso se expressarmos diretamente o seu pensamento, lhe retirando a sua "roupagem" de piada. A resposta do aldeão, expressa de forma direta, ficaria algo como: "Não, senhor, o seu pai não fez sexo com a minha mãe, mas provavelmente foi meu pai que fez sexo com a sua esposa."

Apesar da fonte de prazer de uma piada ser tanto o pensamento expresso por ela quanto as técnicas utilizadas para sua formação, Freud diz que não podemos saber qual a proporção de cada uma no resultado final da piada. Isso é, não sabemos se estamos rindo mais da técnica ou do conteúdo. Mas, como já afirmamos, o fato é que tanto a técnica utilizada para a formação de um chiste quanto o pensamento expresso por ele geram satisfação e nos provocam o riso.

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  1. Cara, gostei mt do texto! Mt bem estruturado.
    Já havia lido sobre os chistes, mas nunca li este livro de Freud!
    DTA!

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  2. Bem bacana mesmo o texto...
    Gostei demais...
    até!

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  3. Muito legal mesmo. Estava procurando sobre esse assunto e por sorte vim direto a este. Por sorte. Sabe onde eu posso achar mais coisas - sem que eu precise comprar o livro, claro. Valeu!

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  4. Estava procurando o significado de chiste e acabei parando aqui. Muito bom. Não sabia que havia um estudo, ainda mais por freud.

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  5. Amei o texto, muito bem escrito.
    Parabéns você realmente foi muito claro.

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  6. Muito legal o texto, eu já havia lifo o texto sobre o chiste, do freud. Ele da o exemplo dele mesmo tb, quando diz que: que bom que hoje queimam apenas meus livros, se fosse no sec. xii queimariam a mim. É bom saber que o chiste foi interpretado por escolas psicanaliticas posteriores a freud de outras maneiras, já principiada na teoria da sexualidade. Acho muito exagero! por isso prefiro a versão do freud, que não se perde em seus princípios, mas está na esteira de construílos ou não.

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  7. Várias vezes eu vi a frase ''toda brincadeira tem um fundo de verdade'' ser atribuída a Freud. Ele de fato disse isso? Por muito tempo eu fiquei sem entender o sentido dessa frase, porque muitas coisas que eu falo brincando não são verdade. Depois de ler seu texto e parte da obra de Freud eu pude compreender que essa ''verdade'' é sobre o indivíduo que emite a brincadeira e sobre suas intenções e não necessariamente sobre o conteúdo da brincadeira. Minha reflexão está correta?

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  8. Existem situações que nem sempre uma piada é boa para nós, não provocando em nós o riso porém, se ela atingiu seu propósito perante as demais pessoas de grupo e estes caírem em gargalhada, é bem possível que também nós, embalados e contagiados pelos demais, acabemos também por rir de uma piada sem graça (ao menos para nós). O propósito de um chistes não está apenas na formação e apresentação dele, mas também na capacidade oportuna nossa em querer partilhar dele naquele momento.

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  10. "Der Witz und seine Beziehung zum Unbewußten" é o título original

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  11. Ja, das weiß ich. Ich habe aber das buch auf Englisch gelesen.

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  12. Muito bom! Esclareceu minha dúvida! Obrigada

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  13. É um livro complexo, longo, chega mesmo ao prolixo, pois Freud esmera-se em tecer detalhes. Talvez o livro mais "estranho" de Freud.

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  14. muito bem elaborada de linguagem objectiva e agradável

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  15. Se eu fosse o Rei responderia: - Então seu pai sai e sua mãe fica só neh? Aff, papai não tinha jeito mesmo, se Maomé não vai a montanha.... 😂😂😂😂

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